sexta-feira, 31 de julho de 2015

A missa de 7º dia

Nós duas estávamos lá... rezando pelo papai e por nós... foi uma missa solene, belíssima, onde o cuidado do padre Olimar nos encantou e assim tem sido durante esses 8 meses em que nos reunimos para rezar.
Se achávamos que tinha muita gente na missa de corpo presente, é porque não tínhamos ainda a missa de 7º dia... Pessoas do nosso coração, que fizeram questão em nos abraçar e dizer-nos uma palavra de consolo.
E você Maria Luiza era a atração da missa, subia e descia à escada do altar, estava super à vontade como sempre ficou na igreja, afinal, desde pequena você ia à missa, desde que estava sendo gerada, desde que era sonhada por nós. Quando você saiu da maternidade, foi nessa igreja que passamos contigo, antes mesmo de irmos para a nossa casa e lá te consagramos à Jesus Eucarístico, foi lá também que pelas mãos do Padre Junio você foi apresentada no templo e pelas mãos do Padre Itamar foi então batizada.
Essa igreja tem a nossa história, foi lá que mamãe e papai se conheceram, casaram...
Bom afinal daquela missa então, o papai foi homenagiado, por nosso amigos e familiares... mas a mamãe não poderia deixar de dizer um pouco de quem foi, ou é, e sempre será o papai Renato:

"Consigo imaginar aqui a cara vermelha de encabulado, que o Renato fazia quando alguém falava ou elogiava ele; se era eu então ele dizia: "você me mata de vergonha".
O nosso homem da casa não está mais entre nós, "estou perdido com vocês duas" dizia ele.
Um marido que realmente parecia não ser desse mundo. A louça suja era dele, colocava roupa pra lavar, ajudava a organizar  a casa... Me lembro com carinho do 1º dia em que cheguei do trabalho, já casada com ele, e lá estava me esperando com um almoço que ele mesmo havia feito, um pouco sem graça, mas estava ótimo para quem nunca havia fritado um ovo. Atualmente era um cozinheiro de mão cheia. Admirador da boa comida, frequentador de bons restaurantes... mas o que ele realmente gostava era de um churrasco improvisado. Degustador de boa bebida, amante do vinho, sempre soube do que é bom.
Como pai era o mais detalhista, pesquisou marcas de fraldas, sobre o leite, médicos e remédios. Mas brincava com nossa filha como se fosse uma criança. No dia em que a Maria Luiza nasceu, ele entrou no centro cirúrgico e quase que não deu tempo de vê-la nascendo, mas foi o suficiente para compartilharmos do momento mais feliz de nossas vidas. Ajudou nas noites mal dormidas, trocava fralda, deu banho várias vezes, comida, um pai que não perdia pra mãe. Sua alegria do momento era estar ensinando a nossa Maria Luiza a jogar xadrez. "Em dois meses", dizia ele "ela estará jogando comigo".
Um filho amável, que sempre se preocupou com o bem estar dos seus pais, um irmão companheiro que sempre estava por dentro dos assuntos para conversar. "E aí? Beleza?" Era assim que ele chegava.
Um genro que toda sogra e sogro gostariam de ter. Sempre teve meus irmãos como seus irmãos. E a casa dos meus pais também era a sua casa.
Quantos livros foram lidos por ele e quantos filmes foram vistos. A bos música perdeu um grande admirador e o piano lá de casa continuará ser tocado como você gostava tanto.
Mas o seu hobby preferido era dar aula particular, ensinar, transmitir o que sabia. Satisfação imensa quando o aluno se recuperava, acertava a prova ou era aprovado no vestibular.
Adorava viajar, fizemos muitas viagens, muitos bons passeios, lindos lugares, muitas risadas... tudo ficará guardado no meu coração.
Não tinha um santo de devoção, mas o seu livro de cabeceira era "Imitação de Cristo". Sabia e conhecia muito bem o Deus que servia.
De poucas palavras, expressava sua opinião depois de muita insistência, antes, pensava, analisava, calculava, para só depois responder.
O pai, tio e avô da paciência. Meu Deus o quanto nos irritava, crítico como ele só. Adorava tirar com a nossa cara. Mas a sua humildade, mansidão, sensatez ficarão presentes na nossa vida.
Um homem cristão, um coração enorme e uma mente genial; quanta inteligência! Por trás de um Renato tão simples, uma alma imensamente abençoada.
E o que falar da sua competência, do seu profissionalismo. Correto até demais, perfeccionista e justo. Cara de policial nunca teve, mas fazia uma perícia como ninguém.
Um amigo discreto, sempre com sábias palavras, cumprimentava à todos com uma educação ímpar.
Graças a Deus, amor nunca nos faltou, amizade e companheirismo fazia parte dos nossos dias, assim como a alegria. Meu amor, a nossa casa terá sempre o seu cheiro, a nossa filha irá conviver com tudo o que você gostava. Vou ensinar à ela, tudo o que você gostaria que ela soubesse e ela saberá todos os dias quem você é e o quanto você a ama.
Deus que conhece os nossos corações e a nossas almas sabe da dor que estou sentindo, muito mais por eu não poder nem pensar em fraquejar. Meus dias não serão fáceis, mas eu tenho certeza Renato que você não me abandonará, e que ganhamos um intercessor bem pertinho de Deus.
Como escreveu Santo Agostinho:
"A morte não é nada. Eu apenas passei para o outro lado do caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. Me dêem o nome que sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriem, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome sempre pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que sempre significou, o fio não foi cortado. Por que eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?
Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho.
Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua linda e bela como sempre foi."  "

Velório

Graças a Deus minha pequena você ainda não sabe o que são essas coisas, na verdade você não sabe o que é morrer, apenas sabe que o papai foi para o céu e não está mais entre nós fisicamente.
Bom, então também vou escrever isso aqui. Quando você ler já saberá o que são essas coisas ou no mínimo terá uma noção.
O acidente do papai foi pela manhã, entre 07:30 e 08:00 horas, por volta das 10:00 a mamãe, não me lembro bem. às vezes antes, um policial confirmou que era o papai naquele acidente. A mamãe foi até lá e viu o que tinha acontecido, ninguém me ligou pra me avisar, como muitas vezes eu temia. Estava a mamãe, o vovô Neuber e o vovô Ivo. Quando chegamos na estrada a casa do vovô Neuber estava já cheia de pessoas queridas, e você estava no quarto da Tatá, brincando e pulando na cama com a tia Nádia, ela e a Priscila cuidaram de você umas boas horas.
O velório do papai foi na igreja, São Judas Tadeu, onde nós servimos à Deus e onde o papai também servia. A pequena igrejinha ficou lotada que não cabia ninguém, muitos amigos, de perto e de longe vieram nos abraçar, a mamãe nunca pensou em tanta gente e acredito que nem o papai imaginaria.
Nos trouxeram o papai por volta das 19 horas... mas pudemos vê-lo, o que disseram é que ele ficou muito machucado... mas sabe filha, apesar da dor que a mamãe sente por ele ter ficado assim, meu coração insiste em crer que Deus sabia que a mamãe não suportaria em vê-lo sem vida e pior a mamãe teria que ter te levado pra ver... e isso eu nem consigo imaginar do tanto que me dói.
Naquela noite passamos o velório para a igreja grande, pois como imaginávamos a igreja iria lotar novamente... quanta gente amiga, solidária à nossa dor e também tristes porque o papai se foi.
À tarde tivemos uma missa, missa de corpo presente, e tivemos a honra de ser celebrada pelo nosso bispo Dom Paulo, foi uma benção. O vovô Ivo já era então diácono e tinha muitos padres e muitos diáconos. Ninguém tinha uma resposta para nós sobre por que isso havia acontecido, mas tinham um abraço, era tudo o que a gente precisava naquele dia.
Não sei como consegui ler a leitura daquela missa, na verdade o vovô Ivo me deu força pois ele ia proclamar o evangelho. A leitura era do livro da Sabedoria e dizia assim:
"1.
Mas as almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os tocará.
2.Aparentemente estão mortos aos olhos dos insensatos: seu desenlace é julgado como uma desgraça.
3.E sua morte como uma destruição, quando na verdade estão na paz!
4.Se aos olhos dos homens suportaram uma correção, a esperança deles era portadora de imortalidade,
5.e por terem sofrido um pouco, receberão grandes bens, porque Deus, que os provou, achou-os dignos de si.
6.Ele os provou como ouro na fornalha, e os acolheu como holocausto.
7.No dia de sua visita, eles se reanimarão, e correrão como centelhas na palha.
8.Eles julgarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre.
9.Os que põem sua confiança nele compreenderão a verdade, e os que são fiéis habitarão com ele no amor: porque seus eleitos são dignos de favor e misericórdia."
Era para nós aquela leitura...  era para o meu coração que estava despedaçado, pois eu sofria e sofro por mim e por você...
Você foi na missa, eu te busquei na casa da vovó Fátima e te disse que íamos rezar pelo papai e por nós... Tinha muita gente, o papai sempre foi muito querido... as pessoas foram lá por causa dele, mas também por nossa causa... a dor era muito grande, Deus sabia que precisaria de muita gente para compartilhá-la...

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Mamãe eu quero dormir na nossa casa

Desde que o papai partiu ficamos na casa do vovô Neuber e da vovó Fátima. Nos primeiros dias você achava estranho, mas era diferente e você estava gostando. Até que todos os dias antes de dormir você dizia "mamãe eu quero dormir na nossa casa", te enrolei algumas vezes e então a pergunta foi "por que não podemos dormir na nossa casa?"  Te confesso que eu tinha medo de ficar só nós duas, imaginava quantas perguntas você me faria e tudo aquilo me doía demais. Afinal se nós estávamos em casa era porque em breve o papai chegaria... mas não dessa vez.
Ficamos assim por quase 2 meses...
Até que um dia, já não me lembro a data, lembro que era janeiro e que era uma quinta-feira, eu sonhei com o papai. Sonhei que entrava na nossa casa e quando fui até meu quarto ele saiu do banheiro e disse assim: "você está demorando para voltar pra casa"... bem... se eu queria um sinal estava lá. No sonho briguei tudo com ele... kkkkk... como sempre né...  voltar pra casa, estava louco né e ele onde estava????  bom, era um sonho, um aviso, uma força... No sábado pedimos para a Socorro arrumar a nossa casa, viemos bem cedo, passamos o dia e dormimos ali pela 1ª vez... vovô e vovó iam dormir lá em casa, quase 1 mês fizeram isso, até que a mamãe quis ficar só nós duas... precisávamos disso, e foi muito importante. Estarmos sozinhas mas não com a tristeza, com a saudade sim, mas com a paz que com certeza trazia o papai para perto da gente... 
As pessoas falavam assim, "aqui nessa casa não tem a tristeza de quem perdeu alguém", talvez seja porque não perdemos né, ele apenas foi para o outro lado do caminho...

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Cadê o papai?

Essa foi a pergunta que a Maria Luiza me fez naquela tarde de 25/11/2014.
Ela sabia que sempre que ficava na vovó o papai estava trabalhando, mas aquele dia estava diferente, tinha muitas pessoas, não era aquele movimento que ela estava acostumada.
Ela me disse assim"o papai está trabalhando em Patrocínio no carro da polícia", e tudo o que eu consegui dizer foi " não filha, o papai agora trabalha no céu, sendo seu anjinho da guarda"; "tudo bem mamãe" foi o que ela na sua inocência me respondeu.
Hoje você mesma já diz isso, "meu papai está lá no céu".
Mas o dia em que você estiver na sua capacidade de entender o que realmente aconteceu poderá então ler nas minhas palavras como foi aquele dia...
Naquele dia era a sua folga, ele não ia trabalhar, até que uma colega ligou dizendo que estava passando mal e não poderia assumir o plantão. Você irá ouvir muitas vezes como o papai era prestativo. E dessa vez, não só decidiu ajudar alguém como pensou em nós, como sempre. Ele disse assim "não briga comigo amor, mas amanhã irei voltar em Patrocínio, pois minha colega não poderá assumir o plantão e eu resolvi cobrí-la porque assim já marcamos a nossa viagem de levar a Maria Luiza na praia". O papai tinha combinado contigo de te levar na praia e ele estava planejando tudo.
Era 06:15 quando ele saiu da nossa casa e não voltou mais. Me lembro que na noite anterior você brincou um pouco na nossa cama, deu um beijo no papai e fui fazer você dormir no seu quarto.
Quando voltei dei-lhe um beijo, disse amanhã você me chama, já arrumei suas coisas, boa noite e dorme com Deus. Acordei com ele escovando os dentes, namoramos... (nos meus momentos de fé, vejo o quanto Deus nos abençoou, deixou que nos despedíssemos), tomamos café, ele disse assim, no sábado vamos comer comida japonesa. Foi no seu quarto e vi o momento em que lentamente acariciou seu cabelos. Me abraçou. me deu um beijo e disse "daqui a pouco já te ligo","leve a sua chave" eu respondi e saiu.
Ainda não sei como irei te contar do acidente, o papai era o melhor motorista, não foi culpa dele, mas também não foi culpa do moço do caminhão, ele também era papai. Os dois foram juntos para o céu.
Tenho deixado os dias passarem, mas à vezes me pego pensando em como te contar, como explicar que o papai ficou tão machucado que nem a mamãe pode vê-lo. Por outro lado, meu coração quer acreditar que Deus sabia que a mamãe não aguentaria ver o papai sem vida. Às vezes é bom pensar que simplesmente o papai agora mora no céu.

Por que um blog?

Depois de conhecer o blog de um pai que vive com sua filha de 3 anos após perder a sua companheira e mãe de sua filha aos seus 30 anos, achei uma forma linda de contar uma história de amor entre dores e alegrias.
Meu desejo através dessa página é deixar cartas de amor para que a minha filha, minha princesinha de apenas 3 anos possa um dia entender a sua história e ver como sempre foi tão amada por seus pais e por Deus. Há 8 meses perdi meus esposo em um trágico acidente de carro e por mais doloroso que seja decidi á continuar a nossa vida da forma mais próxima como vivíamos quando Renato ainda estava entre nós. Em meio à necessidade de ajuda, momentos de crise e muitas vezes de dor, percebi em vários momentos que nada é melhor do que estarmos juntas, muitas vezes só nós duas. Graças a Deus as coisas vem se ajustando aos poucos, minha filha esta bem, esta crescendo, se desenvolvendo normalmente e nada como um dia após o outro, pois além dessa responsabilidade com a minha princesinha, preciso lidar com o sentimento do luto, da perca do meu companheiro, do meu amor, com quem fui casada por 5 anos e 5 meses, mas partilhei da sua vida por 20 anos, onde construímos a nossa história de amor com muitos momentos felizes e abençoados por Deus. Resolvi ser grata à Deus, que deixou minha filha para me dar forças e tem sido maravilhoso, uma superação diária de nós duas. Além de tentar expressar em palavras todo o meu sentimento para minha filha, posso quem sabe de alguma forma, também ajudar um pouco, pessoas que vivem situações semelhantes.Deus nos abençoe!